Moçambique mantém o grito de ajuda

Cabo Delgado, Moçambique. Foto tirada em 2011 quando as conversas se voltavam, entre a expectativa e o receio, para o LNG, os depósitos de gás natural de alta qualidade ali encontrados em 2010. Mas também quando ainda se estava longe do que começou a acontecer em 2017, e faz agora notícia. A história, infelizmente, é velha: grupo de insurgentes/terroristas causa violência e morte e cavalga a incapacidade de um governo nacional e de um exército em defender a população, começando então as movimentações para uma intervenção internacional que solucione o caos instalado (Macron deu o pontapé de saída no Twitter há uns dias a puxar a brasa à sua sardinha do terrorismo islâmico, sendo seguido, entretanto, por outros políticos e ONG).

O diabo aloja-se no pormenor – detalhe 1:

As populações de Cabo Delgado vivem numa tentativa de equilíbrio permanente pela sobrevivência mas Cabo Delgado é rico, em rubis e gás natural. Há planos para que ali seja construída a chamada “cidade do gás” com investimentos de milhares de milhões de dólares feitos por consórcios que incluem a Total, Exxon Mobil e Eni.

O diabo aloja-se no pormenor – detalhe 2:

A chacina que está a ser noticiada internacionalmente e está a servir de pedra de toque, curiosamente e até agora pelo menos, não foi confirmada ao nível local (os media e agentes locais não dizem que este episódio não aconteceu mas também ainda não conseguem confirmar.
O que é certo é que, num ápice, saltou para as páginas dos media e para a agenda política e de ONG ao nível internacional).
Independentemente destes dois detalhes o que se sabe é que uma tragédia acontece há já 3 anos tendo como vítimas as populações de Cabo Delgado e tendo como resultado cerca de 400 mil deslocados internos em fuga de ataques e massacres às suas aldeias. Relatos de idosos ex-combatentes que voltaram a pegar em armas para defender as suas famílias e pertences. Mulheres e crianças que assistiram a barbaridades sem nome.

Mais uma vez na História

um ambiente rico em recursos torna-se um espaço privilegiado de conflito seguindo uma receita antiga que junta os mesmos ingredientes de sempre: a fome, a marginalização, a ausência de distribuição de recursos, a falta de perspetivas, a testosterona e a violência, raptam uma população jovem recrutada por fundamentalismos de origens difusas mas preparados para instalar o caos numa região. E beneficiar economicamente alguns poucos. As multinacionais devem sentir um certo quente do Índico nas costas para admitir que, apesar da insegurança, não vão abortar os seus planos em Cabo Delgado. Mas quantos desses incríveis lucros servem para dar emprego, beneficiar e desenvolver as populações locais?!
Cabo Delgado necessitaria de ajuda internacional, provavelmente sim segundo os relatos que de lá chegam, mas uma ação que estivesse comprometida apenas com as populações daquela região e não aquele tipo de “ajuda” internacional que costuma chegar e desequilibrar tudo ainda mais, protegendo apenas a bolha de interesses económicos que a região despoleta.
Texto de Joana Piedade Simões

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