Era matar-te ou deixar-te morrer. Lentamente. Preferi ficar com as recordações e com os bons momentos que nos proporcionaste. O quente que nos deste às pernas, todos os fins de noite, no sofá, ou sempre que nos aqueceste os pés, por debaixo das mantas, nas noites frias de inverno. Jamais vou esquecer a cara (focinho) que fazias quando no supermercado não conseguia encontrar as tuas saquetas preferidas. Franzias a testa e esfregavas a pata nos bigodes, como que a dizer lá vem esta gaja tentar enganar-me com comida barata. Em casa, eu nunca fui a tua preferência. Suportavas-me porque te dava de comer. Também nunca gostei muito de gatos. Nem de ti. Individualista, antisocial, rabugenta. Mas aturei-te. Muitos anos. Levei-te para casa, cabias na palma da mão. Toda branca, riscas castanhas nas patas traseiras e olhos azuis. O mesmo azul que me pediu descanso. O mesmo olhar que deixou escorrer uma lágrima na hora em que te levaram. O mesmo olhar que se cruzou com o meu. Um pedia desculpa e o outro dizia obrigado. A escolha pela tua morte foi um momento capaz de me corroer até à alma. Era preciso. A vitória no teu nome era agora a derrota no teu corpo. Partiste serenamente. Como eu fiquei. Algumas horas depois, ainda tinha marcas de choro, no rosto. Os teus companheiros, estavam sentados à entrada, à espera, que voltasses de mais uma consulta. Pousei a transportadora no chão. O teu cheiro vinha lá dentro. Tu não. Entraram os dois, primeiro a mais velha e depois o mais novo. Enroscaram-se um num outro e fecharam os olhos. Não saíram de lá, até o dia seguinte.